A tecnologia de edição de genes CRISPR vem ganhando novas aplicações e tem potencial para transformar o diagnóstico e o tratamento de diversas doenças, como alguns estudos já aplicados em terapias para o câncer. Em 2011, as funções dessas “tesouras moleculares” foram descobertas pela microbióloga francesa Emmanuelle Charpentirer em uma parceria com a bioquímica norte-americana Jennifer Doudna. O estudo permitiu desvendar a interação entre o CRISPR e a molécula Cas9. A descoberta das pesquisadoras mereceu o Prêmio Nobel de Química em 2020.
O “Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Interespaçadas” ou CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) é uma região do genoma das bactérias caracterizada pela presença de sequências de DNA (ácido desoxirribonucleico) curtas e repetidas. As bactérias dispõem de um sistema que copia o DNA do vírus todas as vezes que são atacadas. Em um próximo ataque, elas utilizam essa memória para identificá-lo. Codificada pelo RNA, a proteína C9 da bactéria atua como uma tesoura e elimina parte do DNA do vírus em um novo ataque, impedindo a sua reprodução.
As pesquisadoras aplicaram a técnica em outras células, inclusive humanas, e descobriram que a proteína C9 pode tirar uma sequência específica do DNA responsável pela doença no organismo. Em seguida, essa sequência é substituída por outra, que permite a regeneração dos próprios genes. Desde então, novas tecnologias CRISPR vêm sendo aproveitadas para criar sistemas de diagnósticos rápidos e de baixo custo, inclusive para diagnosticar genes resistentes a medicamentos.
Em 2013, o Dr. Feng Zhang, do Instituto de Massachusetts de Tecnologia, publicou o primeiro relatório baseado em CRISPR com edição de genes humanos. O pesquisador e sua equipe reconheceram o potencial dos sistemas CRISPR para produzirem modificações altamente direcionadas em genes humanos e projetaram um método para identificar RNAs guias e a proteína Cas9 em células humanas.
As principais vantagens da edição do gene CRISPR, em relação a outras técnicas de edição de genes, são sua especificidade e precisão de edição, mesmo para sequências muito pequenas. A ferramenta já vem sendo testada em estudos de fase 1 em pacientes humanos, onde as células do paciente são colhidas, modificadas em laboratório e reintroduzidas. Em 2019, uma pesquisa de um grupo da China fez um transplante com sucesso de medula óssea de um paciente HIV-1 positivo com leucemia linfoide aguda. Em outro ensaio da fase 1 com três pacientes com câncer refratário, sendo dois com mieloma avançado e um com lipossarcoma, os cientistas recolheram as células T, que foram modificadas com a engenharia CRISPR e reintroduzidas nos pacientes. No final de nove meses de acompanhamento, dois pacientes continuavam vivos e um deles faleceu. Os pesquisadores identificaram alterações cromossômicas em todas as populações de células T nesses pacientes.
A engenharia CRISPR traz vantagens pela rapidez oferecida aos diagnósticos e pelos custos reduzidos em comparação com outras tecnologias. Sem sombra de dúvida, é mais uma importante ferramenta para a cura de diversas doenças, mas que ainda caminha os primeiros passos em pacientes humanos. O arcabouço de pesquisas na área oncológica tem ampliado as possibilidades de diagnóstico e tratamento dos pacientes, cabendo ao médico a identificação da melhor estratégica em cada caso. De qualquer modo, são avanços muito importantes e que sinalizam para as próximas décadas uma nova abordagem no tratamento oncológico.
* Ramon Andrade de Mello é oncologista, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Uninove e da Escola de Medicina da Universidade do Algarve, em Portugal.
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