A ciência tem buscado terapias que possam trazer respostas mais assertivas para tratamentos dos mais diversos tipos de câncer. Ao longo dos últimos anos, procuramos encontrar melhores formas de abordagem dos tumores oncológicos pulmonares. Em todo mundo, mais de 80% dos casos desse câncer estão associados ao consumo do tabaco e derivados e, no Brasil, ele é o segundo mais comum em homens e mulheres, excetuando-se o câncer de pele não melanoma. Felizmente, a taxa de incidência vem apresentando redução nas últimas décadas, resultado das campanhas antitabagistas acompanhadas de restrições ao consumo desse produto em determinados lugares, principalmente em ambientes fechados.
As investigações científicas têm apontado o importante papel dos biomarcadores, que geralmente são proteínas, genes e outras moléculas que provocam modificações nas células e permitem mensurar a severidade ou presença de algum estado de doença. Eles também podem ajudar a identificar terapias para alcançar as células cancerígenas. Com isso, o oncologista pode personalizar o tratamento, indicando medicamentos com possibilidades de melhores resultados.
Um dos nossos trabalhos iniciais foi pesquisar 20 desses biomarcadores que podiam estar associados ao risco e aos prognósticos do câncer do pulmão, no estudo na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (Portugal). Nessa linha de pesquisa, demonstramos que o polimorfismo genético do EGF + 61, ou seja, uma variação de um dos genes, estava associado a um risco adicional do desenvolvimento do câncer do pulmão na população portuguesa. Isso ocorria pelo aumento da estimulação da proteína EGF que se ligava ao seu receptor na membrana e que estimulava vias de sinalizações dentro das células, que aumentavam a proliferação de células malignas favorecendo a disseminação e a metástase do tumor.
Em 2012, o nosso grupo de pesquisa em Portugal publicou na revista científica Tumor Biology (Internacional Society of Oncology Biomarkers) o primeiro estudo europeu de vida real da casuística do EGFR (Receptor de membrana celular do EGF), após o estudo clínico internacional pioneiro sobre a importância do EGFR no câncer do pulmão, liderado pelo pesquisador espanhol Rafael Rosell, de Barcelona. Esse trabalho foi muito importante porque não sabíamos corretamente a epidemiologia do EGFR na população. As descobertas permitem ainda um melhor planejamento dos recursos de saúde pública. Sabendo a porcentagem da mutação, podemos definir a quantidade de medicamentos necessária para inibir esses tumores em determinada parcela da população.
Atualmente a identificação do EGFR é utilizado na prática clínica e inclusive tem medicação disponível no SUS. A Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) tem realizado o uso dessa classe de medicamentos (gefitinib) desenvolvido especificamente para essas circunstâncias, que promovem taxas de respostas em torno de 57% a 60% dos casos.
Nosso próximo passo é avançar com estudos similares aqui no Brasil. Estamos concluindo os trâmites burocráticos para uma parceria inédita com o National Cancer Institute (NCI), dos EUA, e a Unifesp para um projeto de pesquisa que vai estudar mutações genéticas no câncer no pulmão em pacientes que nunca fumaram.
Os resultados certamente vão permitir que a indústria farmacêutica trabalhe na oferta de medicamentos com respostas mais precisas, aprimorando o tratamento de centenas de pacientes brasileiros.
(*) Ramon Andrade de Mello, médico oncologista, professor da disciplina de oncologia clínica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), da Uninove (Universidade Nove de Julho) e da Escola de Medicina da Universidade do Algarve (Portugal).
Artigo original reproduzido no Portal Veja Saúde.