Pesquisa norte-americana mostra que risco de desenvover a doença ao respirar substâncias tóxicas está concentrado em comunidades urbanas, aquelas com rendas mais baixas e aquelas com maiores proporções de minorias raciais
Estamos acostumados a relacionar o câncer de pulmão ao tabagismo, porém existem casos não ligados ao hábito de fumar. Nessas situações, o principal fator que causa a doença é a poluição do ar e a inalação de substâncias tóxicas, resíduos de emissões industriais ou de veículos.
Um estudo norte-americano publicado na revista científica “Environmental Science & Technology” analisou de forma detalhada os setores censitários dos EUA para encontrar padrões em quem está em maior risco de câncer resultante da exposição vitalícia à poluição do ar e como esse risco está mudando ao longo do tempo.
Estudos anteriores já haviam identificado disparidades em como os riscos à saúde pública variam de acordo com a renda e a raça. Mas os estudiosos do Desert Research Institute (DRI) e da University of Nevada, Reno (UNR) decidiram ver isso com dados de censo de 2011 e 2019, e percebeu uma chance estimada de câncer vinculada a tóxicos do ar em comunidades urbanas, principalmente as que apresentam rendas mais baixas e maiores proporções de minorias raciais.
“Eu queria analisar holisticamente os resultados de saúde precários da exposição à poluição do ar em todo o país e ao longo do tempo para ver se as coisas estão melhorando ou piorando, e quais são os principais impulsionadores socioeconômicos para onde a poluição está sendo distribuída”, diz Patrick Hurbain, pesquisador de pós-doutorado e epidemiologista ambiental do DRI que liderou o estudo, em comunicado à imprensa.
O estudo percebeu que as disparidades raciais atingiram o pico em 2011, com a magnitude dessa diferença melhorando nos anos seguintes. “Isso significa que as medidas de controle da poluição do ar estão indo melhor, e as pessoas estão, de fato, recebendo menos tóxicos do ar em todo o país, o que é animador”, diz Hurbain.
Resultados podem ser relevantes para o Brasil
Apesar de o estudo ser feito nos Estados Unidos, a CNN conversou com oncologista Ramon Andrade de Mello, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia, para entender como podemos transpor essas descobertas para a realidade no Brasil. O especialista explica que as populações mais pobres vivem em regiões mais periféricas nos centros urbanos, geralmente em zonas industriais próximas de fábricas ou em regiões mineradoras, o que contribui para a exposição.
“Sim, isso pode ser aplicado para o Brasil, levando em conta esse raciocínio de que essa população normalmente faz parte da comunidade mais baixa renda e ficam mais expostos a essas fumaças cancerígenas que vem da atmosfera das grandes cidades, fábricas, indústrias mineradoras, minas de carvão”, explica o médico, que não está envolvido no estudo.
Mello destaca que essa informação é bastante importante quando falamos em prevenção. “O câncer do pulmão é um dos tipos de neoplasia que conseguimos sim adequar políticas públicas às demandas da população e erradicar nas próximas décadas”, considera o oncologista.
Como a poluição pode causar câncer de pulmão?
Cada vez o câncer de pulmão tem aparecido em pessoas que não fumam. “Atualmente, sabemos que o ar que respiramos, principalmente nas grandes cidades, apresenta diversos poluentes, que são substâncias que podem estar relacionadas ao aumento da susceptibilidade de desenvolver o câncer, especialmente o de pulmão. Substâncias nocivas da atmosfera oriundas das fábricas, carros, aviões podem danificar as células do nosso organismo e gerar um tumor maligno”, explica Mello. Em um estudo nos Estados Unidos com 12.000 pacientes com câncer de pulmão, mostrou que a quantidade de pessoas que não fumavam aumentou de 8 para 15% ao longo de vinte anos. Já uma pesquisa britânica encontrou resultados semelhantes, com sua coorte de nunca fumantes saltando de 13% para 28% em seis anos. E de acordo com a Associação Internacional para o Estudo do Câncer de Pulmão, esse fenômeno pode ser associado sim à poluição. “A poluição do ar é o novo tabaco. Mas, diferentemente do cigarro, que exige força de vontade para parar de fumar, não inalar ar poluído é uma tarefa difícil”, pondera o oncologista.
Ele explica que o câncer de pulmão em não fumantes costuma ser um pouco diferente: não costuma ter um ponto definido e é mais nebuloso. “É como se o câncer do fumante fosse uma bolinha preta no saco de bolinhas brancas, mas o câncer de não fumante é como colocar areia preta nesse saco. Isso impacta o tratamento”, diz o oncologista.
Mas, não importa a origem, é comum que o quadro não apresente sintomas iniciais. “Alguns pacientes podem sentir aperto no peito e tosse. E, nesse caso, dependendo do local que vivem, é indicado que seus familiares também façam um rastreio, pois podem ser assintomáticos”, diz o médico.
Fonte CNN Brasil: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/cancer-de-pulmao-e-poluicao-estudo-relaciona-maior-incidencia-a-desiqualdade/